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01 Outubro 2009
Ao longo dos últimos sufrágios, o relevo da política cultural nas campanhas eleitorais não parece ter ido muito além de pormenores contabilísticos, mais ou menos conotados com a meta de 1%, como orçamento desejado para a cultura. Deste modo, todos os partidos políticos acabam por subscrever este objectivo, de forma mais ou menos utópica, em termos de previsão orçamental. Mas após cada tomada de posse surgem as imediatas correcções e enquadramentos das afirmações feitas no calor
continuar a ler a propostaAo longo dos últimos sufrágios, o relevo da política cultural nas campanhas eleitorais não parece ter ido muito além de pormenores contabilísticos, mais ou menos conotados com a meta de 1%, como orçamento desejado para a cultura. Deste modo, todos os partidos políticos acabam por subscrever este objectivo, de forma mais ou menos utópica, em termos de previsão orçamental. Mas após cada tomada de posse surgem as imediatas correcções e enquadramentos das afirmações feitas no calor da campanha e explica-se, através de fórmulas contabilísticas, que o que se disse antes não foi exactamente o que se julgou ouvir antes. Seria portanto desejável, no actual processo eleitoral, a clarificação – com rigor contabilístico – das metas orçamentais para a cultura ao longo da legislatura. Porque afinal o orçamento de estado marca precisamente o assumir das opções politicas avançadas para o país.
Contudo – e porque uma política se faz de opções, não só entre recursos orçamentais escassos, mas também entre finalidades alternativas – importa compreender então qual o sentido último das políticas culturais, nomeadamente das políticas de apoio à criação artística e ao acesso à arte. Compreender nomeadamente, a quem se dirigem estas políticas, o que as motiva, como se articulam entre os diversos ministérios e quais os seus agentes. Compreender, enfim, o porquê de se exigir a acção do estado e o esforço dos contribuintes.
A Europa Ocidental habituou-nos, há largos anos, ao reconhecimento da criação artística como um bem de interesse público que o estado deve garantir e salvaguardar da lógica normal de funcionamento do mercado. Ainda assim, e particularmente em Portugal, sempre foi este um reconhecimento tímido e incapaz de colocar a criação artística, e o acesso a esta da generalidade da população, como um bem público com a mesma dignidade da educação, saúde, agricultura ou defesa nacional. Por isso – e ao contrário das políticas culturais de salvaguarda do património – as políticas de apoio à criação artística – que garantem o património de amanhã – tiveram sempre uma imagem pública particularmente frágil. E isto apesar de cada vez mais estudos demonstrarem o impacto económico da criação artística enquanto catalisadora de emprego, turismo e criatividade.
Não admira assim que o recente e louvável interesse de alguns agentes económicos, pelo potencial lucrativo da criatividade artística, tenha vindo a acrescentar um novo factor nesta equação, a que também não é obviamente estranha a preocupação com a recessão internacional, que afecta a generalidade dos orçamentos de estado. Assim, e no fascínio pelo potencial desta nova oportunidade de negócio, parece por vezes deslizar-se para uma perigosa confusão semântica entre arte e indústria criativa. Não se compreendendo então que a indústria criativa se pensa a si própria em função do mercado e por isso em função daquilo que o cliente pretende. Situação que obviamente não é compatível com uma criação artística que quer, precisamente, descobrir os modos de expressão que, por não serem ainda testados, não podem ser reclamados. Pelo que este (cada vez mais) lugar comum, de transformar a arte numa possibilidade de negócio, pode lançar ainda renovada confusão na já de si pouco definida relação entre o estado e a criação artística, contribuindo para que as presentes mutações, no sector cultural e no modo de produção, condicionem, de forma irreflectida, as práticas públicas. E diga-se ainda que esta situação tem sido particularmente sentida no Norte de Portugal, onde os financiamentos públicos às indústrias criativas acabam por lançar alguns dos agentes promotores da criação artística numa busca de recursos – indisponíveis nos quadros tradicionais de apoio – que mais não faz do que alargar as oportunidades de negócio dos mediadores, consultores e gestores de projectos.
Mas ainda assim a verdade é que toda esta movimentação não nos pode deixar de alertar para os novos tempos que atravessamos, e por isso obrigar estado e agentes a uma redefinição de estratégias. Terá então sentido pensar que as políticas culturais cada vez mais terão de envolver todos e não apenas alguns, colocando assim em causa as fronteiras que até hoje tinham sido pedra de toque das políticas culturais, nomeadamente a distinção entre práticas profissionais e amadoras. Isto porque cada vez mais os processos de criação artística terão de ser encarados como um produto em si, num apelo constante ao aprofundamento do envolvimento dos artistas com as suas comunidades, numa busca constante que permita compreender as relações éticas, estéticas e políticas que se estabelecem nas mais variadas experiências colectivas, nomeadamente na criação artística e no acesso à arte.
Igualmente importante poderá ser reequacionar os territórios das políticas de apoio à criação artística e tentar compreender até que ponto é que o esforço dos contribuintes não deverá ser, em parte, redireccionado para os locais e meios onde efectivamente se pode encontrar a generalidade da população, que supostamente é utente deste serviço público - de “acesso à criação artística” - prestado pelo estado. Teríamos assim que considerar a escola, a Internet e a televisão - os locais onde efectivamente está a esmagadora maioria dos cidadãos - como locais privilegiados para uma política cultural ao serviço efectivo da comunidade. Isto naturalmente sem colocar em causa a necessidade de financiar os até aqui habituais circuitos de produção, pois caso contrário ficaria comprometido todo o sistema e a sua capacidade de regeneração. Mas sobretudo, e diga-se desde já, sem cair no apelo fácil, em nome da recessão, para abandonar a ideia de promoção da diversidade cultural, em detrimento de uma qualquer e disparatada promoção da “qualidade”. Porque a única qualidade que cabe ao estado promover é precisamente a diversidade e pluralidade da criação artística. Independentemente dos ciclos económicos. Independentemente da generosidade dos orçamentos.
E se todos os problemas, que até aqui temos apresentado, são partilhados pela generalidade dos países da Europa Ocidental, a verdade é que o contexto português não pode ser devidamente compreendido sem a integração destas questões num atraso de décadas em termos do estatuto profissional dos trabalhadores das artes do espectáculo. De facto, só em 2008, mais de trinta anos passados na vigência da Constituição de 1976, é que a Assembleia da República aprovou legislação que reconhecia as especificidades laborais do sector. E ainda assim ao arrepio dos principais contributos dos agentes e dos seus representantes, marginalizando de forma incompreensível as profissões técnicas e técnico-artísticas, e introduzindo a confusão conceptual relativamente à intermitência laboral. Aguarda-se entretanto a entrada em vigor do novo regime contributivo para a segurança social que finalmente – e após uma luta de vários anos em que a PLATEIA participou activamente – faz depender as contribuições devidas do rendimento efectivamente auferido. Mas infelizmente o projecto, já promulgado pelo Senhor Presidente da República, continua a não prever mecanismos que enquadrem o tratamento justo das relações laborais intermitentes e de curta duração, que caracterizam as áreas do espectáculo e do audiovisual e que não deveriam ser enquadradas no regime do trabalho independente. E mesmo quanto aos efectivamente trabalhadores independentes não nos podemos esquecer que há mais do que uma geração de trabalhadores, nomeadamente na área do espectáculo, completamente desintegrada em termos sociais e para quem o novo modelo chega tarde. Terá assim que se exigir um particular cuidado no enquadramento destes trabalhadores no novo regime, para que a injustiça do passado não impeça a integração social a que todos têm direito.
É pois neste clima de mudança que os representantes dos portugueses na Assembleia da República terão que exercer a sua actividade. Não só recuperando atrasos de décadas mas também reagindo prontamente aos novos desafios da cena internacional. E entre estes não será de somenos a posição a assumir relativamente às tensões entre o Direito de Autor e os novos mecanismos para a partilha de conteúdos. Veja-se a proposta (rejeitada) do executivo francês para a penalização da partilha de conteúdos via Internet. Ou a mais recente eleição, na Suécia, de dois deputados ao Parlamento Europeu, pelo Partido Pirata. Enfim, factores que vêm apenas sublinhar a necessidade de opções políticas claras, que sintetizem os interesses dos artistas, da indústria e dos consumidores. Porque é tempo de os partidos políticos assumirem, com um mínimo de assertividade, as tensões do presente, acabando com este clima de indefinição, em que a dedicação exigida pela coisa pública parece preterida pela necessidade de fixar eleitorados conflituantes e salvaguardar interesses instalados.
Em 2009, os portugueses merecem representantes capazes de assumir os desafios que marcam, e por vezes fracturam, os nossos tempos, num constante processo dialéctico em que as políticas mudem com o mundo e o mundo mude com as políticas. Para que a democracia, o sufrágio e a Assembleia da República preservam a sua dignidade. Para que o nosso futuro colectivo tenha sentido.
Tudoo que seja Planeamento, Clareza e Profissionalismo merece o meu apreço.
Atenção, porém que esta proposta acarreta muita mais organização de todos os intervenientes.